Ciências Ambientais e Conservação dos Meios Naturais: Considerações sobre Complexidade e o Neotrópico
Felipe Andueza Paullelli*
João G. R. Giovanelli
A humanidade é constituída por inúmeras formas de organização social e distintas são as maneiras das sociedades humanas se relacionarem com seu entorno natural. O trabalho dos recursos e a gradual modificação de seus meios acabam por promover impactos que diferem tanto entre si quanto suas respectivas culturas.
Muitas dessas relações se dão de maneira conturbada e, por não dizer, predatória. Fato que originou, desde muito, preocupações sobre como devemos tratar do meio que nos sustenta. Entretanto, a onda social de reivindicações nas décadas de sessenta e setenta clamou por atenção aos grandes impactos que as sociedades industrializadas promoviam não só em seus meios, mas também em outras regiões do globo.
A partir de então, pode-se dizer que, as ciências ambientais foram impulsionadas por um volume muito maior de financiamentos, muitos estudantes e cientistas passaram a interessar-se pelo assunto, calorosas discussões científicas e políticas catalisadas pelos meios de comunicação a construir, desconstruir e, por vezes, inventar problemas ambientais.
A discordância científica acerca das questões ambientais é tamanha devido, em meio a interesses dos mais distintos matizes, à sua complexidade impressionante. Assim emergiram inúmeras “escolas”: conservacionismo, preservacionismo, ecologismo social, ecologia profunda, etc. Todas parecem alinhadas, salvo incoerências de discurso e prática à parte, em seu objetivo maior: conservar os meios naturais que nos sustentam.
E quais são as ciências ambientais? A Ecologia, a Biologia, a Geografia, a Geologia, a Química, a Agronomia e seus respectivos desdobramentos e ainda algumas outras que se propuseram a estudar o meio ambiente como a Engenharia, a Pedagogia, a Antropologia e a Sociologia. Talvez haja outras ciências que agreguem cientistas preocupados com o meio ambiente, mas a grande maioria dos ditos profissionais ambientais encontra-se nas descritas acima.
Um dos poucos pontos pacíficos sobre as questões ambientais é sobre sua complexidade. Sim, são complexas. Sim, devemos mensurar o impacto para então tratá-lo e prevenir os futuros... Será? Mensurar o quê? Taxas de desflorestamento? Extinção de dispersores de semente? Porcentagem de animais silvestres na alimentação indígena? Manchas de óleo na área costeira? Poluição no aqüífero Guarani? Letalidade de inseticidas em polinizadores? Influência protestantista na escola preservacionista? Taxa de reprodução de minhocas numa horta? Quantidade anual de carbono queimada por um carro? ...
E assim, a ciência avança, com cada qual medindo suas variáveis, trabalhando com seus modelos matemáticos ou com teorias sociológicas para explicar o que se quer explicar. É óbvio que todas essas dimensões da complexidade ambiental devem ser estudadas, o que falta a elas é integração. Sim, as pesquisas deveriam ser integradas se o objetivo primeiro é realmente conservar a natureza.
O que essa esquizofrenia científica sobre as questões ambientais indica? Essa realidade nos diz que as discussões sobre o assunto dificilmente passam de um embate de egos inflamados. Os conflitos científicos ambientais deveriam servir de pontos para se partir a um entendimento transdisciplinar, à construção de conhecimentos que nos permitem realmente agir em prol de uma conservação dos meios naturais.
E isso é realmente um desafio a qualquer grupo humano: a comunicação. E, enquanto esta não se efetiva, alguns dizem que o que ameaça a biodiversidade são os índios por que o teste T-student assim indicou, enquanto outros que a conservação dos meios naturais depende do apoio de populações locais, outros dirão que precisamos de maior conexão espiritual com a natureza... E assim nossa sociedade civil-falante, industrializada, pós-moderna, tecnocrata, burocrata, preocupada, amante e defensora das coisas naturais continua a explorar minérios, queimar toneladas de petróleo e avançar com cana, gado, soja sobre nossas florestas.
Então que tipo de abordagem conservacionista é adequado para países “megabiodiversos”, como o Brasil? Talvez aquela que aposte na busca na integração de análises políticas, sociais e ecológicas das questões ambientais brasileiras. Assim se poderá mapear os fatores políticos estruturais que influenciam e, não raro, determinam tal crise.
Um primeiro passo seria romper com modelos estrangeiros, que possuem uma visão limitada e romântica da natureza, uma natureza sem o homem, seja ele índio, caiçara ou paulistano. Esse é o maior erro de metodologia nas ciências ambientais: idealizar um meio natural sem presença humana a ser conservado.
Devemos romper com a idéia de conservação atrás da cerca a qualquer custo, e de que qualquer sociedade humana é igualmente predadora e maligna à manutenção e evolução da vida. Devemos desacreditar de artigos pseudo-científicos sobre a “salvação das Matas Brasileiras” em periódicos estrangeiros, que provam com o teste Quiquadrado que onças vivem melhor longe de indígenas, e prometem salvar nossos biomas da destruição. Por quê? Essas posturas atravancam a comunicação entre as distintas dimensões de um conflito ambiental.
Enquanto não houver uma busca por construção de conhecimento e prática entre a ciência, a população e poder público, com o intuito de criar políticas ambientais elaboradas em conjunto, e não pensarmos e discutirmos quais são os riscos ambientais que atingem verdadeiramente nosso país, as ações conservacionistas talvez funcionem apenas como recursos midiáticos para conseguir um financiamento para um e outro projeto... E continuam a não construir nada que efetivamente faça nossa sociedade mais inteligente no tato e relação com o meio que a fez possível e que a sustenta.
Ainda que as estatísticas atuais sobre a rápida degradação ambiental possam ser questionadas, sabemos que as questões ambientais urgem de tratamento adequado. E nós, como profissionais e pessoas que se preocupam com o ambiente, convidamos a todos a discutirem essas idéias aqui.
Abandonemos nossos egos e tentemos construir outra prática de conversa científica. Enquanto não unirmos opiniões extremas e focarmos na melhora de nossas relações com o meio natural, levando-se em conta nossa peculiar realidade social, não teremos, ainda que com financiamento, testes estatísticos, cadernos à prova d’água e cercas, como reverter essa situação.
Muitas dessas relações se dão de maneira conturbada e, por não dizer, predatória. Fato que originou, desde muito, preocupações sobre como devemos tratar do meio que nos sustenta. Entretanto, a onda social de reivindicações nas décadas de sessenta e setenta clamou por atenção aos grandes impactos que as sociedades industrializadas promoviam não só em seus meios, mas também em outras regiões do globo.
A partir de então, pode-se dizer que, as ciências ambientais foram impulsionadas por um volume muito maior de financiamentos, muitos estudantes e cientistas passaram a interessar-se pelo assunto, calorosas discussões científicas e políticas catalisadas pelos meios de comunicação a construir, desconstruir e, por vezes, inventar problemas ambientais.
A discordância científica acerca das questões ambientais é tamanha devido, em meio a interesses dos mais distintos matizes, à sua complexidade impressionante. Assim emergiram inúmeras “escolas”: conservacionismo, preservacionismo, ecologismo social, ecologia profunda, etc. Todas parecem alinhadas, salvo incoerências de discurso e prática à parte, em seu objetivo maior: conservar os meios naturais que nos sustentam.
E quais são as ciências ambientais? A Ecologia, a Biologia, a Geografia, a Geologia, a Química, a Agronomia e seus respectivos desdobramentos e ainda algumas outras que se propuseram a estudar o meio ambiente como a Engenharia, a Pedagogia, a Antropologia e a Sociologia. Talvez haja outras ciências que agreguem cientistas preocupados com o meio ambiente, mas a grande maioria dos ditos profissionais ambientais encontra-se nas descritas acima.
Um dos poucos pontos pacíficos sobre as questões ambientais é sobre sua complexidade. Sim, são complexas. Sim, devemos mensurar o impacto para então tratá-lo e prevenir os futuros... Será? Mensurar o quê? Taxas de desflorestamento? Extinção de dispersores de semente? Porcentagem de animais silvestres na alimentação indígena? Manchas de óleo na área costeira? Poluição no aqüífero Guarani? Letalidade de inseticidas em polinizadores? Influência protestantista na escola preservacionista? Taxa de reprodução de minhocas numa horta? Quantidade anual de carbono queimada por um carro? ...
E assim, a ciência avança, com cada qual medindo suas variáveis, trabalhando com seus modelos matemáticos ou com teorias sociológicas para explicar o que se quer explicar. É óbvio que todas essas dimensões da complexidade ambiental devem ser estudadas, o que falta a elas é integração. Sim, as pesquisas deveriam ser integradas se o objetivo primeiro é realmente conservar a natureza.
O que essa esquizofrenia científica sobre as questões ambientais indica? Essa realidade nos diz que as discussões sobre o assunto dificilmente passam de um embate de egos inflamados. Os conflitos científicos ambientais deveriam servir de pontos para se partir a um entendimento transdisciplinar, à construção de conhecimentos que nos permitem realmente agir em prol de uma conservação dos meios naturais.
E isso é realmente um desafio a qualquer grupo humano: a comunicação. E, enquanto esta não se efetiva, alguns dizem que o que ameaça a biodiversidade são os índios por que o teste T-student assim indicou, enquanto outros que a conservação dos meios naturais depende do apoio de populações locais, outros dirão que precisamos de maior conexão espiritual com a natureza... E assim nossa sociedade civil-falante, industrializada, pós-moderna, tecnocrata, burocrata, preocupada, amante e defensora das coisas naturais continua a explorar minérios, queimar toneladas de petróleo e avançar com cana, gado, soja sobre nossas florestas.
Então que tipo de abordagem conservacionista é adequado para países “megabiodiversos”, como o Brasil? Talvez aquela que aposte na busca na integração de análises políticas, sociais e ecológicas das questões ambientais brasileiras. Assim se poderá mapear os fatores políticos estruturais que influenciam e, não raro, determinam tal crise.
Um primeiro passo seria romper com modelos estrangeiros, que possuem uma visão limitada e romântica da natureza, uma natureza sem o homem, seja ele índio, caiçara ou paulistano. Esse é o maior erro de metodologia nas ciências ambientais: idealizar um meio natural sem presença humana a ser conservado.
Devemos romper com a idéia de conservação atrás da cerca a qualquer custo, e de que qualquer sociedade humana é igualmente predadora e maligna à manutenção e evolução da vida. Devemos desacreditar de artigos pseudo-científicos sobre a “salvação das Matas Brasileiras” em periódicos estrangeiros, que provam com o teste Quiquadrado que onças vivem melhor longe de indígenas, e prometem salvar nossos biomas da destruição. Por quê? Essas posturas atravancam a comunicação entre as distintas dimensões de um conflito ambiental.
Enquanto não houver uma busca por construção de conhecimento e prática entre a ciência, a população e poder público, com o intuito de criar políticas ambientais elaboradas em conjunto, e não pensarmos e discutirmos quais são os riscos ambientais que atingem verdadeiramente nosso país, as ações conservacionistas talvez funcionem apenas como recursos midiáticos para conseguir um financiamento para um e outro projeto... E continuam a não construir nada que efetivamente faça nossa sociedade mais inteligente no tato e relação com o meio que a fez possível e que a sustenta.
Ainda que as estatísticas atuais sobre a rápida degradação ambiental possam ser questionadas, sabemos que as questões ambientais urgem de tratamento adequado. E nós, como profissionais e pessoas que se preocupam com o ambiente, convidamos a todos a discutirem essas idéias aqui.
Abandonemos nossos egos e tentemos construir outra prática de conversa científica. Enquanto não unirmos opiniões extremas e focarmos na melhora de nossas relações com o meio natural, levando-se em conta nossa peculiar realidade social, não teremos, ainda que com financiamento, testes estatísticos, cadernos à prova d’água e cercas, como reverter essa situação.
* E-mail do autor: felipeandueza@gmail.com
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Comentários
Mas depois de postar o texto, fiquei pensando sobre uma forma de motivarmos as pessoas a se comunicarem, a realmente procurarem escutar o outro... O que você acha que poderia motivar os profissionais do meio ambiente a se comunicarem, efetivamente?
Muito deste conservacionismos as escuras se deve a falta de informação sobre outras questões, principalmente sociais e cotidianas.
Também é muito mais fácil culpar segmentos sociais mais fracos, como caiçaras por exemplo.
Outros defender a favor de seus objetos de pesquisa, outros pelo seus "ganha pão".
Mas sem dúvida integração é que falta, pesquisas são feitas e resultados concretos demoram para surgir....resquicios de matas viram lugares sagrados a qualquer custo...
Enquanto não houver interação entre partes....uma percepção dos verdadeiros riscos ambientais brasileiros, principalmente os locais...não resolveremos esta situação tão cedo
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=5284